Gisela Casimiro



ALICERCE

À tua volta tudo em obras. É assim que sei qual de nós é o verdadeiro artista. Soubeste delegar para a cidade todos os fossos, a lama, os sinais, as barreiras e as campainhas de um alarme já não tão mudo. Tens escavadoras, guindastes e camiões à tua mercê. No meu exército só existo eu. A cidade não é mais do que a extensão do que te consumia tanto que não mais podias escondê-lo. A terra, revolta como o meu estômago, sempre que te vejo. Ou mesmo quando não te vejo. Pequenas instalações artísticas como templos para os teus fantasmas, mais do que para o teu Deus. 

Perigos vários. Protecções de plástico-cor-do-batom-preferido para andaimes enferrujados. Tábuas sem salvação possível. Nunca experimentei um capacete, sabes? Penso sempre que não me servem e, no entanto, arrisco mais do que todos os outros. Como agora, por exemplo. Sei bem que não faço parte das tuas preces e, no entanto, visitei uma igreja em reconstrução interior, no dia em que nos conhecemos. 

O cigarro no canto direito da boca luminosa, eu que não fumo, eu que caibo nas tuas roupas e que com elas me passeei por toda a parte, eu que murmurei o teu nome tantas vezes antes de dormir, como quem acredita, eu que continuo a coleccionar as fitas das minhas camisolas e vestidos sem saber se alguma vez as atarei aos teus cabelos. Eu aqui, sem botas, sem luvas, sem óculos. Eu, sem colete e sem licença, encaro-te. A noite é uma máscara que usamos à vez. 

Texto :  Gisela Casimiro
Foto : Estelle Valente

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