Carla Diacov



The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex.

num açougue abandonado nasceu
uma só folha de cipreste entre um tijolo solto e 
um gancho oxidado
uma mulherzinha está ali
do outro lado do balcão arruinado
ela quer a mostra do porco
ela quer estampar o avental as luvas
ela quer a carne da cor da folha do tempo
quantos minutos de forno?
pergunta 
tirando raízes e folhas
dos olhos 
quanto de abandono pra cada porco quilo?

Texto :  Carla Diacov 
Foto : Estelle Valente

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Nuno F. Santos Cash


Nuno F. Santos Cash

 
Sempre que me torno num Domingo murcho de alegria. A saudade pode ser isso. Estar numa salamandra de campo com neve e cães de casota, currais com coelhos às dezenas lá fora dos azulejos e... lembrar-me do calor com a sombra dos pratos de plástico a Sul. O Sul pode ser isso. Não uma geografia nem sequer os meus pais a educarem-me com piqueniques nos fins-de-semana, à mais mínima luz. No Sul, onde há mar ou onde há longe do mar, há a sesta e o sentido do nada para uma criança. A não ser que queira ser isso de ser mais alto do que os poetas ou do que a cesta que levas como se a Leonor levasse alguma no que cantava Camões. Só me ficam as oliveiras e uma sombra à sombra de ti. Q.B. para o primeiro esfreganço, quantidade eterna para querer cheirar cabelos molhados e sentir falta... falta mesmo da pele lisa dos meus pais e da falta de sensibilidade deles nessa altura – o hoje é só a memória - para com uma criança que por entre as árvores e os gritos dos grilos diurnos não consegue ser criança. Como brincar se não há bombas nem batalhas? Não há escorregas nem super poderes que aguentem um Sul destes com comida antes da hora na ausência de relógios de parede e televisões ligadas. A preto e branco.
A burguesia amolece. A boa burguesia também, quando levantar-te a saia e beijar-te as bocas todas do corpo é o que mais queria quando crescesse e é o que mais quero neste momento quando parar de crescer até ao fundo da terra. Que seja sob as oliveiras.
Não te vejo em qualquer chão, só no chão das azeitonas verdes pequeníssimas... que as outras árvores nem interesse me suscitam, porque lembrar-me de ti e da tua anca nua, lembrar-me de ti e das meninas nos teus olhos é ser amor em tesão e tesão todo no amor impossível. És tão diferente de tudo o que cresce e é centenário... e milenar, apenas milenar provavelmente, és então cabelo seguro, escorrido com a cesta por entre os piqueniques da minha família. A Gioconda da modernidade, a rapariga de pérola sem brinco e que fazia piqueniques sozinha.
Passaram milhões de segundos e escondo-me ainda de embaraço, mas guardo-te assim, sem mostrares uma ruga que seja. Por enquanto. É a beleza da eternidade. Não ficarmos iguais mas ficarmos sempre como imaginamos. Pode ser isso a eternidade. O meu sonho requere um prolongamento da memória. Também desejo esse dia de rugas. O dia em que possamos ser da mesma altura, e pode ser um Domingo... que eles fazem esse sentido de me deixar com a tua falta. E contente. E triste. No campo. A querer as oliveiras do Sul em ti. Pode ser isso a saudade. 

Texto :  Nuno F. Santos Cash
Foto : Estelle Valente

Gisela Casimiro


Gisela Casimiro


ALICERCE

À tua volta tudo em obras. É assim que sei qual de nós é o verdadeiro artista. Soubeste delegar para a cidade todos os fossos, a lama, os sinais, as barreiras e as campainhas de um alarme já não tão mudo. Tens escavadoras, guindastes e camiões à tua mercê. No meu exército só existo eu. A cidade não é mais do que a extensão do que te consumia tanto que não mais podias escondê-lo. A terra, revolta como o meu estômago, sempre que te vejo. Ou mesmo quando não te vejo. Pequenas instalações artísticas como templos para os teus fantasmas, mais do que para o teu Deus. 

Perigos vários. Protecções de plástico-cor-do-batom-preferido para andaimes enferrujados. Tábuas sem salvação possível. Nunca experimentei um capacete, sabes? Penso sempre que não me servem e, no entanto, arrisco mais do que todos os outros. Como agora, por exemplo. Sei bem que não faço parte das tuas preces e, no entanto, visitei uma igreja em reconstrução interior, no dia em que nos conhecemos. 

O cigarro no canto direito da boca luminosa, eu que não fumo, eu que caibo nas tuas roupas e que com elas me passeei por toda a parte, eu que murmurei o teu nome tantas vezes antes de dormir, como quem acredita, eu que continuo a coleccionar as fitas das minhas camisolas e vestidos sem saber se alguma vez as atarei aos teus cabelos. Eu aqui, sem botas, sem luvas, sem óculos. Eu, sem colete e sem licença, encaro-te. A noite é uma máscara que usamos à vez. 

Texto :  Gisela Casimiro
Foto : Estelle Valente

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